Em uma manhã de maio, mês marcado pela campanha de conscientização para redução nos acidentes de trânsito, um policial do posto rodoviário da BR-290, em Eldorado do Sul, na Região Metropolitana, recebeu um alerta via radiocomunicador de colegas fazendo fiscalização na via: “veículo Ducato branco se aproximando, motorista falando ao celular”. Os agentes foram até a pista e, ao avistarem a van, acenaram para o condutor parar no acostamento. O resultado foi uma multa de quase R$ 300 e mais sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Casos como este estão cada vez mais frequentes desde 2017. Neste período, desde que a infração passou a ser considerada gravíssima, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) registraram pouco mais de 18 mil ocorrências deste tipo. E a preocupação é maior porque os casos estão aumentando ano a ano, com 2021 batendo recordes. No ano passado houve aumento de 46% na comparação com 2020 (veja gráfico abaixo).
GZH ficou cerca de uma hora, em 19 de maio, acompanhando fiscalizações da PRF nas estradas federais do Estado. Em Eldorado do Sul, na BR-290, a tática é manter viaturas percorrendo a via para os agentes acionarem o posto rodoviário no município sobre irregularidades. Em poucos minutos após a chegada da reportagem ao local, veio a informação sobre o motorista do Ducato falando ao celular. Os policiais foram até a pista e acenaram para a van encostar.
— Tudo bem? Documentos por favor. O senhor sabe que estava ao celular, não é? Antes do pedágio. Sabe o risco não é? O senhor será autuado pela infração — avisou ao motorista um dos policiais rodoviários.
A GZH, o motorista admitiu que falava ao telefone e alegou que é necessário usar o celular para trabalhar.
— Estou consciente, a gente é instruído e eu estava mesmo falando ao celular. A gente trabalha sozinho na estrada, faz contato com empresa e com cliente. O telefone é o único meio de comunicação e não dá para parar, tem que tocar e seguir em frente. Tento ficar com um olho no gato e outro no peixe, é uma necessidade pra quem trabalha — ressalta o condutor, que pediu para não ter o nome divulgado.
O chefe da Comunicação Social da PRF no Estado, Felipe Barth, diz que geralmente agentes em motocicletas fazem a fiscalização e que conseguem identificar de longe o uso do celular ao volante. Um dos sinais, conta Barth, é quando o veículo segue se deslocando lentamente para a faixa lateral ou acostamento ou quando há diminuição gradativa da velocidade e, na sequência, aceleração repentina. Também é possível perceber o condutor dividindo o olhar entre para-brisa e celular, com vários momentos abaixando a cabeça.
Barth diz que no caso dos celulares o objetivo também é alertar e explicar sobre os riscos. Ele destaca que é praticamente impossível confirmar se algum motorista estava ao celular no momento de algum acidente. Até porque, quando a vítima é atendida, o celular costuma estar caído dentro do carro devido ao movimento brusco. Em alguns casos, o próprio condutor atira o aparelho para o lado para evitar que seja enquadrado em mais de um tipo de infração.
— Temos casos de motociclistas usando o telefone nas estradas. Infelizmente está cada vez mais comum. Houve uma abordagem, neste ano, de uma pessoa pilotando moto digitando no celular e de outra assistindo vídeo, aqui mesmo (na BR-290 em Eldorado do Sul) — ressalta Barth.
Em 19 de maio, quando GZH acompanhava o trabalho da PRF na BR-290, em Eldorado do Sul, a mesma cena se repetiu por horas e os chamados por rádio não pararam:
— Aqui 211. 201 na escuta?
— QSL, na escuta — avisava o agente que estava no posto rodoviário.
— Atento a caminhão Mercedes Benz se aproximando, motorista usando celular — alertava, mais uma vez, o policial rodoviário ao rádio, para que o agente fizesse mais uma abordagem.
Rodovias estaduais
Nas rodovias estaduais a cena se repete. E neste caso, os números são maiores, já que há mais vias do Estado do que da União no Rio Grande do Sul.
— Eu estava atrasado, havia congestionamento e, mesmo com telefone no banco do passageiro, ele tocou e eu tive de atender. Quando peguei o telefone, foi rápido demais. Foi olhar o aparelho, pegar ele e, ao olhar para frente de novo, bati no veículo da frente. Foi um susto grande e tive sorte, mas aprendi e nunca mais usei — conta um motorista que pediu para não ter o nome divulgado por justamente atuar nesta profissão.
O CRBM registrou mais de 10 mil multas nos últimos cinco anos e a maioria nos trechos urbanos. Houve diminuição em 2018 em relação a 2017. Mas em 2020 houve aumento considerável e 2021 teve o maior aumento de todos, chegando a 67% na comparação com o ano anterior.
O comandante do CRBM, coronel Luciano Moritz, diz que o local onde se percebe mais registros do uso de telefone ao volante é na região de Portão, na RS-240, no Vale do Sinos.
— É um trecho de muito movimento e pouca velocidade. A maioria nega que está usando o celular na abordagem, os condutores sustentam que não estão com o aparelho próximo a eles, que está na mochila ou bolsa ou no banco traseiro, além do porta-luvas. Mas antes disso, nosso efetivo detecta os movimentos característicos de alguém dirigindo e usando o celular — ressalta Moritz.
Segundo o comandante, a cada três segundos, o veículo avança 50 metros em média e o risco de acidente aumenta se a atenção do motorista estiver voltada para o telefone. A orientação é, para casos de urgência, parar em local seguro e ligar o pisca-alerta. Para Moritz, o alerta vale também para ciclistas e pedestres que estiverem passando por uma estrada.
No dia 24 de maio, GZH esteve na RS-040, em Viamão. O tenente Thiago Barbosa comandou uma ação de conscientização do CRBM no local, um dos trechos urbanos mais movimentados da Região Metropolitana.
— É uma rodovia com um dos maiores índices de acidente no Estado inteiro. Por isso estamos fazendo abordagens rotineiras dentro da campanha Maio Amarelo e hoje (dia 24), em específico, sobre o uso do celular ao volante — explica Barbosa.
Segundo ele, são ações necessárias porque este tipo de infração tem aumentado. O oficial destaca que, além das barreiras, viaturas percorrem as vias para detectar casos de motoristas dirigindo e falando ao telefone.
Maio amarelo: atenção
A campanha realizada no mês de maio tem a cor amarela para chamar a atenção dos motoristas. E uma das infrações mais cometidas é o uso do celular ao volante, o que leva à desatenção de condutores.
A presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Tráfego (Abrapsit), Patrícia Sandri, diz que a entidade é responsável pelas avaliações de pessoas que fazem pela primeira vez ou que renovam a CNH. E a questão do celular e a falta de atenção não são surpresas para ela.
— Uma das nossas perguntas nestas avaliações é se o condutor teve infrações, flagradas ou não, e o uso do celular é quase 90% dos casos que atendemos. Lembro que pesquisas mostram que o telefone é o que mais tira a atenção dos motoristas, 94% dos fatos, seguido de cansaço, direção perigosa e ingestão de alimentos ou bebidas — alerta Patrícia.
Para a psicóloga, não é um acidente o fato de uma pessoa que está ao celular chocar o carro que conduz em outro, por exemplo. Patrícia destaca que a medida é uma escolha envolvendo a vida de outros e que poderia ser evitada.
— As pessoas comem, assistem TV e outras coisas com o celular ligado. Só que no carro não é o momento da minha agenda ou de resolver os meus problemas, isso é inadmissível — diz Patrícia.
Patrícia orienta ao motorista que passe a se observar e, caso não perca o hábito de usar o celular ao volante, que procure um especialista porque pode se tornar um vício. Ela recomenda desligar o aparelho ao entrar no veículo para os casos mais extremos. Ou deixar em modo avião e colocar o telefone no banco traseiro. As medidas valem também para quem usa fones de ouvido para falar ou então para uso de aplicativos de orientação ao tráfego.
Sobre campanhas de conscientização, o presidente do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores do Estado (SindiCFC), Vilnei Sessim, ressalta que dirigir e falar ao celular está “enraizado” na cultura do brasileiro. Ele diz que o tema é amplamente abordado em aulas teóricas e práticas.
— Temos de mostrar mais do que frases como “não use”. Precisamos demonstrar o resultado da utilização do aparelho na condução do veículo — destaca Sessim.
Uma motorista, que por razões da profissão pede para não ter o nome divulgado, diz que tudo é uma questão de segundos. Ela dirigia por uma rodovia da Região Metropolitana em 2019 quando baixou a cabeça para olhar uma mensagem no celular. Quando levantou, percebeu o carro da frente freando e houve a colisão.
— Eu estava em outro mundo ao olhar o celular e o meu excesso de confiança fez com que ocorresse o acidente com danos materiais — relembra o condutora.
O caso não foi mais grave porque era um trecho urbano que estava congestionado, portanto, o carro trafegava em baixa velocidade.
Fonte: GZH