Dois dias depois da anulação do júri que condenou os quatro réus do caso da boate Kiss, na quarta-feira (3), o juiz Orlando Faccini Neto se manifestou sobre a decisão da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS).
Em texto publicado na coluna de Rosane de Oliveira, em GZH, o magistrado que presidiu o julgamento deu sua versão sobre supostas reuniões suas com os jurados, uma das nulidades do processo alegadas pelos advogados de defesa dos réus.
No artigo, Faccini diz que se reuniu com os jurados diversas vezes ao longo dos 10 dias de julgamento, mas “nunca tratando do processo, nunca abordando qualquer tema que pudesse influir no julgamento“. Leia o texto completo abaixo.
De acordo com o magistrado, os encontros se deram para alimentação ou em momentos em que os jurados demonstravam nervosismo com o processo: “Sempre que realizei júris, almoçava com os jurados. Minha compreensão era, e é, a de que, pessoas do povo, que nada ganham, que são submetidas a julgamentos extenuantes ou com pessoas perigosas, merecem do magistrado todo respeito e consideração”, escreve Faccini.
A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) acolheu parte dos recursos das defesas e anulou o júri que condenou os quatro réus do caso da boate Kiss na última quarta-feira (3).
O desembargador Manuel José Martinez Lucas, relator dos recursos e presidente da sessão, informou que foram apresentados pelos advogados de defesa 19 pedidos de nulidade. O relator desconsiderou todos os pedidos, mas acabou vencido pelos votos dos outros dois desembargadores, José Conrado Kurtz de Souza e Jayme Weingartner Neto, que reconheceram alguns dos argumentos dos réus.
Entre os principais apontamentos da defesa que foram levados em conta pelos desembargadores estão fatos como as conversas em particular entre o juiz Orlando Faccini Neto e os jurados, sem a presença de representantes do Ministério Público ou dos advogados de defesa.
“REUNIÃO DO JUIZ COM JURADOS DO CASO KISS
Não é usual uma manifestação como essa. Contudo, se o silêncio obsequioso é obrigação quanto às demais questões, no que diz respeito a uma suposta reunião secreta deste subscritor com os jurados, bradar a verdade é um imperativo.
Em dez dias de trabalho árduo, várias vezes estive com os jurados. Almoçamos no sábado, inclusive com a presença de colega da Corregedoria de Justiça, comemos pizza no domingo – custeada, aliás, por uma vaquinha entre promotores e advogados, por meio da qual também compramos bolos e chocolates, cuja aquisição oficial era mais difícil dada a necessidade de licitação pelo Tribunal -, e, em vários e diversos intervalos, interagimos, nunca tratando do processo, nunca abordando qualquer tema que pudesse influir no julgamento.Na sexta à noite, por exemplo, estive com eles, para indagar qual tempo queriam para a janta, visto que um dos advogados requerera intervalo maior, para poder ir a algum restaurante num shopping; em algum momento, um dos jurados pediu-me um cigarro – na minha triste circunstância de tabagista sou réu confesso -, e durante o ato conversamos sobre o rock indie da atualidade.
Pois bem, o fato é que no segundo dia do Júri fui alertado por um dos vários Oficiais de Justiça, que sempre estiveram presentes nos episódios antes referidos, que um dos sete integrantes do Conselho, por questões pessoais nada relacionadas ao Júri, padecia de algum grau de ansiedade, com os sintomas típicos dessa situação. O corpo médico do Tribunal foi exemplar – aliás, atendeu a pelo menos dois advogados durante os dez dias de trabalho.
Eu próprio receava que o Júri não chegasse ao fim, e se isso fosse de ocorrer, que se desse logo no início. Mas tudo indicava, nos diálogos havidos, que caminharíamos bem. Não havia qualquer comprometimento quanto à capacidade de julgamento, senão que, em certos momentos, a sensação de taquicardia e a boca seca. Os advogados ajudaram a minimizar a situação, de que foram alertados, e eles sabem disso: tal integrante do Conselho de Sentença pediu para ter alguns momentos com um sobrinho, de menos de cinco anos de idade, e eu chamei todos os causídicos em minha sala e indaguei se concordavam com essa possibilidade, o que foi unanimidade, bem como se queriam estar presentes no encontro, e todos eles acharam desnecessário, visto tratar-se de uma criança, bem como porque além de um Oficial de Justiça estaria no encontro a assessora deste juiz.